Rosa na cama. Agonizando. Suando.
Tampa do caixão é fechada.
– Meu filho, cadê meu filho? Onde está meu menino?
– Dona Rosa Aparecida, a senhora é mãe do João dos Santos? Ele teve um confronto com a polícia, o estado dele é grave, favor comparecer ao Hospital Chagas com urgência.
– Eu sabia que esse aí era bandido. Pra cá ninguém presta não, minha filha. E a Rosa se gabando do filho “trabalhador”. Belo trabalho. Coitada. Isso que dá criar solto.
– Vai pra dentro, vai pra dentro porra.
– Acertaram o João. Acertaram o João.
– Que merda é essa aqui? Onde arrumaram esse celular?
– Ele foi para lá, eu tenho certeza.
– Então corre.
– Eu sou ladrão.
– Eu sou polícia.
(Acontece que qualquer celular agora filma. E esse filmou)
– Eu sou ladrão.
– Eu sou polícia.
– Eu sou polícia.
– Eu sou ladrão.
– Mas tem que dar um tempo pra gente fugir.
– Então corre.
– Ele foi para lá, eu tenho certeza.
– Tia, me deixa entrar aqui, me esconder, eles vão me achar.
– Que merda é essa aqui? Onde arrumaram esse celular?
pow. pow. pow.
– Corre mano, corre.
pow. pow. pow.
– Acertaram o João. Acertaram o João.
(o menino explica: a gente tava brincando, senhor)
– Corre caralho, corre.
– É morador senhor, é morador.
– Vai pra dentro, vai pra dentro porra.
– Assassinos! Assassinos!
– Eu sabia que esse aí era bandido. Pra cá ninguém presta não, minha filha. E a Rosa se gabando do filho “trabalhador”. Belo trabalho. Coitada. Isso que dá criar solto.
– Dona Rosa Aparecida, a senhora é mãe do João dos Santos? Ele teve um confronto com a polícia, o estado dele é grave, favor comparecer ao Hospital Chagas com urgência.
– Meu filho, cadê meu filho? Onde está meu menino?
– Ele não resistiu aos ferimentos.
Tampa do caixão é fechada.
– Segura, segura, ela vai desmaiar. Guenta firme mãe, o João não ia querer te ver assim.
– Toma o chá, Rosa, você tem que descansar, amanhã vai ser outro dia, eu prometo.
(O vídeo é editado)
Suspeitos de tráfico entram em confronto com a polícia. Um morre e dois ficam gravemente feridos.
Família alega que os meninos eram estudantes e trabalhadores e estavam apenas brincando de polícia e ladrão.
(A vida segue)
Rosa na cama. Agonizando. Suando.
Este texto é uma homenagem à Alan de Souza de Lima, assassinado em 20/01/2015 por policiais militares. A história não é a dele. Não é a de Claudia, de Amarildo ou de Eduardo. A história é nossa. E tem sido escrita diariamente nas periferias de todo o país.